quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A louca

Que fascínio a existência dos loucos exerceu sempre sobre minha mente! Eu, criança, observadora atenta dos detalhes cruéis da vida, compreendendo metades como se fossem regras imutáveis da dura realidade que me aguardava, no mundo adulto.


Quase não pude ser criança, temendo os loucos, em especial as loucas.

Loucas mulheres, presas em quartos isolados, grades nas janelas, bonecas e pratos sujos espalhados. A louca vestida em longa camisola, no seu sonho de rainha, coroa de falsos brilhantes sobre a cabeleira cheia de nós. Fios emaranhados de todos os dramas da família, representados, enjaulados nela, na louca.

Imaginava havê-las em todas as famílias. Todas muito bem guardadas. Todas se pareciam com Sara.

Sara em sua jaula, em seu quarto no sótão. Tão moça. Por trás do desacerto, uma mulher bonita.

Além dos cuidados básicos, recebia a visita do médico da família, muito dedicado à jovem louca. Trancava-se com ela por uma hora, avaliando e medicando, para deixá-la calma. A família agradecida não questionava. Sara, aquele caso perdido, aquela sombra.

O que se passava no quarto não se poderia chamar de abuso, de violação. Era sedução, desejo, consentimento. O que importava aos outros? Quem se interessava, quem suspeitava o tipo de amor que unia os dois?

Sara apenas sorria. Era uma louca mansa. Estava ali desde que se entendia, porque toda memória de antes do surto lhe foi roubada pelos eletrochoques. Agora era apenas uma criança no quarto, com suas bonecas e seu amante diário, fiel e cuidadoso.

Durou anos. Desapareceu num dia comum, sem alarde. Desocupou o quarto.


2 comentários:

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

Ôh, dilíça! Quédi o livro? Tá levando isso à sério?
Foi um elogio, ok?
rsrsrsrs
BEIJOS!

Anônimo disse...

Emocionante!