sábado, 6 de novembro de 2010

Ladrão

Quando eu era criança, tinha muito medo de ladrão.

Ladrão era um homem de máscara, calçado apenas com meias, andando pelos telhados para invadir nossas casas e roubar nossas coisas. Ladrões roubavam por gosto, por vocação, por temperamento. Eu acreditava que existiam ladrões andando pelos telhados, como gatos. Gatunos.Nossa casa, que durante o dia era tão populosa e festiva, à noite se trancava toda. Havia muitos trincos nas portas que, durante o dia eram abertas e francas.Hoje, lendo no jornal sobre um assalto – coisa mais do que comum – e vendo o rosto dos ladrões, minha primeira reação foi a de raiva. Sinto muita raiva de ladrão. Não daqueles ladrões, especificamente, aqueles três garotos de vinte e poucos anos, mas de uma entidade que rouba. Rouba o que é nosso, rouba o que conquistamos, rouba o que amamos.
Fiquei olhando para os ladrões do jornal. Foram presos três, menos o que fugiu com o dinheiro do roubo. Foram-se. Menos três ladrões na rua. Foram para onde? Quando vão voltar? Mas o ladrão sem rosto da minha infância não me deixa pensar nos três presos, nem no quarto com o dinheiro. Só consigo pensar no meu quarto da infância, onde o medo do ladrão tantas vezes me acompanhou em noites insones.Para onde foi o ladrão dos telhados, que me roubou tantas coisas que eu amava, sem nunca ter invadido de verdade, apenas pela sua ameaça silenciosa? A minha primeira escola, tão limpa e tranquila, levada numa noite de verão; a minha babá, levada numa noite de incêndio; meu primeiro namorado, levado pelo desejo de ser mulher. Para onde foi o ladrão? Quem o guarda até hoje? Talvez ele pudesse me devolver os projetos e os desejos. Talvez ele viesse me libertar. Talvez eu tenha sido presa enquanto ele a todos vive enganando, livre e mal.

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