quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Aqui não tem ninguém com esse nome


Passei a odiar telefones quando percebi que não sou capaz de dizer não.
Ligaram-me de um hospital de crianças com câncer. É óbvio que pedissem dinheiro e mais óbvio ainda que eu me comprometesse a dar uma contribuição mensal.
Tempos depois foi uma espécie de asilo para criancinhas abandonadas. Mais uma mesada. Um dia percebi que havia cinco instituições caridosas me ligando mês a mês atrás da minha oferta generosa. E nem eram tão generosas assim. Mas eu nunca conseguia dizer que esse mês não dá, que não quero mais ajudar. Sempre vinha aquela frase: “Então as nossas crianças não vão poder contar com a senhora, Dona Maria?”
A solução veio com a mudança do número do meu telefone. Perderam-me de vista, não por muito tempo, mas deram uma trégua. Além do mais, agora tenho identificador de chamada. Vejam bem que consegui artifícios bloqueadores das chamadas importunas, mas não alcancei o poder de negar.
Assinei revistas da Editora Abril durante anos. Nunca li nem a metade. Queria cancelar e acabava renovando por mais dois anos e ainda assinando outra. Finalmente fui premiada por fidelidade e ganhei o direito de assinar mais cinco revistas por dois anos, pagando apenas dezoito meses. Pouca coisa? Tudo com débito no cartão de crédito, que diga-se de passagem me foi oferecido por telemarketing e eu aceitei. Não um cartão, mas dois e mais um adicional.
Assinava o jornal O Globo. Todas as tardes me ligavam pedindo opinião sobre a matéria tal ou qual. Eu, como se fosse uma garotinha da Escola Primária passei a estudar todo o jornal diariamente para poder responder às perguntas da pesquisa de opinião. Afinal, estava recebendo os exemplares na minha porta, sem ter que fazer nada...só pagar, é claro.
Um dia me revoltei. Não quero mais que me liguem!!!!Esbravejei com o atendente do SAC. Venci. Eles pararam de me ligar para isso, depois que assinei duas revistas super interessantes que ficam no envelope sobre a mesinha da sala, sem nunca serem abertas. Débito automático em mais um cartão de crédito, gentilmente oferecido pela editora.
Ligaram-me do banco onde fui obrigada a abrir conta para receber meu vultoso salário de professora. Fiz um seguro residencial que não queria. Depois de um ano percebi que era o dobro do preço de um outro que eu já havia feito por um cartão de crédito que eu nem me lembrava que tinha pedido. Consegui cancelar, depois de aceitar fazer uma capitalização. Mas é baratinho e depois de uns vinte anos eu posso resgatar quase o valor total aplicado. O que seria de mim se não fossem essas pessoas maravilhosas que ligam para nossos lares, geralmente às nove da noite, oferecendo esses benefícios irrecusáveis.
Resumindo: quando morrer vou para o céu graças às orações das minhas criancinhas cancerosas. De lá vou me alegrar com a visão de meu filho totalmente protegido pela apólice milionária que me garantiu a morte decente. Na bagagem levarei toda cultura e informação adquiridas em anos de leituras instrutivas que me proporcionaram as maravilhosas revistas mensais.
Não tenho do que me queixar, afinal.

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