quinta-feira, 2 de junho de 2011

No meio do carvão

- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
(Meninos Carvoeiros  -  Manuel Bandeira)

Era de manhã, bem cedinho. Só os galos anunciavam o dia que ninguém reparava, por causa do escuro céu lá em cima e da fria noite dentro de casa.
O menino, magrinho que nem tipiti escorrido,levantou-se espriguicento, sonhando com um dia de descanso, na sua pequena e dura vida.
Todos os dias o mesmo pão duro, roído a caminho da escola, lá longe; longa jornada a pé descalço. Lá vai o menino magrinho.
Nas mãos um caderninho e na cabeça uma idéia vaga de um futuro “um dia”, uma vida diferente daquela lida sem vista. Lá vai o menino.
Mas a aula é tão comprida, tão complicados rabiscos, que o menino cochila, em cima da mesa, tosca madeira lascada, por onde já passaram tantos meninos sonolentos, magrinhos e famintos, daquela terra distante de tudo.
- José! Acorda meu filho!
- Senhora? Desculpe professora. Tava dormindo ,não senhora. Tava era raciocinando.
- Então responde a pergunta que eu fiz. Quem descobriu o Brasil?
A melhor parte de tudo era a hora da merenda, quando tinha. Às vezes era só mingau ralo de fubá. Mas quando era caprichada, com pedacinho de carne seca! Ah! Delícia de escorrer pelo queixo!
Acabava logo a aventura da escola. Antes do meio-dia, já estava o José a caminho de casa. Lá chegando era direto trocar de roupa para a jornada no meio do carvão, ajudando a família a não sei o quê, já que em casa sempre faltava de tudo, só não faltava a paciência da mãe, a voz grossa do pai e a choradeira dos pequenos.
Foi no meio do carvão, com o rosto preto de fuligem, que José conheceu a linda Madalena, a Borralheirinha. José deu esse apelido a ela, depois de ouvir a história da Cinderela, que também estava sempre suja de carvão, por causa do trabalho duro a que era obrigada, pela malvada madrasta e suas duas filhas cruéis.
Madalena não tinha madrasta. Ia para a carvoaria com pai e mãe mesmo. Toda família no mesmo trilho, na mesma cruz. Com a fé que os guiava, a fome que os levava e o patrão que os explorava. Iam todos, triste e adoecidos, pelo ar pesado que maltratava os pulmões, pelas feridas que não cicatrizavam, pelo dinheiro que era pouco e logo logo acabava.
No meio de tanta desdita, havia enfim um desejo, um coração que se enchia de amor por outro coração, também amante. Madalena e José iam vivendo, sem cuidados de futuro. Gostavam-se, olhavam-se, conversavam poucas palavras, sorriam e respiravam o mesmo pó.
Cresceram depressa e cedo casaram, para aproveitar a saúde que ainda tinham, mó de criar alguns filhos e cumprir o “multiplica-vos” da ordem divina.
E é só isso. Foi assim que aconteceu.

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