domingo, 24 de outubro de 2010

Para o resto da vida?

- Minha filha, você deve pensar bem antes de se casar com esse rapaz. Pensa bem se você quer mesmo se unir a ele pelo resto da sua vida, porque depois vêm os filhos e então não se pode mais escolher muita coisa. Para uma mulher, a vida não dá muitas chances.

Ela continuou a falar, falar, falar...

- Filha! Está longe. Não me ouviu esse tempo todo? Acho que eu estou aqui fazendo papel de boba. Você nem liga para os meus conselhos.

A filha realmente estava longe. Ela havia parado na expressão “para o resto da sua vida”. Estava chocada. Nunca havia pensado nisso. Nunca imaginara o casamento como o início do resto da vida. Resto era o que sobrava, o que não prestava muito, o que ia para o lixo. Restos às vezes iam para o cachorro, no tempo em que eles comiam restos e não rações importadas. Resto da vida era a sobra de vida que poderia ser usada para alimentar os cães sarnentos da rua ou os mendigos.

Ela pensava que a vida iria começar justamente depois do casamento com aquele rapaz, que era o seu sonho de felicidade. Podia ser um engano também, mas era o engano dela mesma, sua proposta. A mãe, coitada, dentro de sua visão igualmente equivocada, não conseguiu contribuir em nada com a reflexão da jovem.

Por fim ela se casou e começou o resto todo. Logo depois dos primeiros anos, quando nasceu o primeiro filho, vieram muitas coisas que não estavam no roteiro e com as quais ela não sabia lidar, de jeito nenhum. Parece que ela estava mesmo apenas esperando chegar a parte do resto. O começo idílico da vida a dois era um engano, porque as palavras da mãe sempre se confirmaram em outras circunstâncias. Não poderia ser diferente, agora. No fundo, mesmo aqueles míseros anos de ventura foram sempre ameaçados pela sombra do resto da vida.

Felizmente, ou infelizmente, o marido não quis acreditar na história de para sempre e saiu de casa para viver com outra mulher. Ela imaginou que aquilo seria apenas mais um começo de história fadada a virar resto.

Ela lutou e sobreviveu, sozinha. Não quis mais se arriscar a encontrar alguém que não quisesse viver com ela o resto da vida. Seria muito dolorosa uma nova decepção.

Contaram-me. Eu não conheço essas pessoas.

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