sábado, 12 de setembro de 2009

Caso de Escola

Qualquer semelhança com fatos reais é apenas semelhança com fatos reais mesmo.
O menino desceu as escadas correndo e parecia que estava fugindo de alguém. Aliás, parecia ter visto assombração. Eu perguntei:
-Oi, Menino. Aonde vai com tanta pressa?
Bom, aí mesmo é que ele se assustou e acabou caindo da escada.
Logo veio uma funcionária da escola, irada e gritou:
-Tá vendo, menino?!!! Pra que correr desse jeito? Já avisei um milhão de vezes que é pra descer a escada devagar!
Nessa hora ele não agüentou e vomitou tudo ali mesmo. Vomitou mesmo, literalmente.
-Menino!? O que é isso? Se tá passando mal, por que veio pra escola? Devia ter ficado em casa. Sua mãe não agüenta ficar com você, né? Tem que mandar pra escola mesmo doente. Chama lá o Seu André pra limpar isso.
Chegou a diretora, que estava indo pro banheiro e viu o final da cena.
-O que é que esse menino está fazendo aqui embaixo? A turma dele já subiu. Essas professoras precisam controlar melhor esses alunos. Deixam eles passeando à vontade. Não estão nem aí. Margareth, vai lá e chama a professora dele que eu quero falar com ela. Assim não pode ser.
-Mas Dona Tarsília, ele acabou de vomitar na escada eu estava dizendo pra ele que se estivesse descendo devagar não tinha caído da escada, disse a funcionária.
-Ah! Ele caiu? Vomitou? Deve estar doente. Marisa, liga aí pra mãe do Wilton, da turma 1202. Manda vir buscar o filho que ele está vomitando.
-Tarsília, não lembra que esse menino não tem telefone e casa? Vai ter que ligar para aquele celular do padrinho. E eu estou sem créditos no meu celular. Da escola não pode ligar pra celular. Como eu faço?, perguntou Marisa, a vice-diretora, assustada e impotente.
-Ai, meu Deus. Não sei mais o que fazer. É por isso que não não fico boa da minha úlcera. É só abacaxi. Qualquer hora eu pego minhas coisas e sumo daqui. Vou voltar pra sala de aula que é mais fácil.
Nesse momento desce a professora do menino.
- O que aconteceu, Wilton? Não está na hora de passear não. Eu só deixei ir ao banheiro. Logo vi que estava arrumando alguma confusão por aqui.
-Pois é, Laura. Ele passou mal na escada porque desceu correndo e acabou caindo. Deve ter tido uma confusão no cérebro. Minha filha já teve isso uma vez, disse Margareth, já começando a ficar com pena do menino - teve até que tomar Cardenal, aquele remédio de maluco.
-Teve coisa nenhuma, Margareth. Esse menino é a minha cruz. Todo dia é um problema. Já não bastasse os outros vinte e tantos que eu tenho que agüentar todo dia, ainda tem esse que me arranjaram agora, quase no meio do ano.
-Laura! Você devia proibir essas crianças de irem ao banheiro. Só na hora da merenda. Eles precisam aprender a segurar o xixi. Já estão bem grandinhos. Eu com esta idade já sabia controlar bem. Isso é desculpa pra sair da sala e fazer bagunça aqui embaixo. Atrapalham a aula da Carmem com esse sobe e desce nessa escada. É uma função que não acaba, ralhou a diretora.
-Ah! Tarsília! Sinto muito, mas se essas crianças fizerem xixi nas calças eu ainda posso ser processada por constrangimento! Já pensou? E quem vai pagar advogado pra mim? Você é que não vai, tenho certeza.
- Nada disso! Pra vocês, professoras, não dá nada. Se tiver algum processo vai tudo em cima de mim, que sou a diretora. Por isso estou mandando. Não quero criança andando por aí fora de hora. Banheiro é só na hora da merenda. Caso encerrado.
A professora vira-se, furibunda:
-Se você quer dar ordens na minha sala, assume a minha turma agora, que eu estou indo pra Secretaria de Educação pedir pra mudar de escola.
-Vocês são só ameaças. Não sei onde vão encontrar uma escola tão boa de se trabalhar!
-Boa!? Isso aqui é o inferno na Terra.
As duas saem, cada uma pro seu lado, batendo o pé. Marisa já estava longe, no gabinete, há muito tempo. O André, funcionário da limpeza, já havia limpado o vômito da escada e o menino...quem, o Wilton? Ah! Esse já estava tão pequenininho, tão humilhado, assustado e infeliz, que se enfiou numa fresta das velhas tábuas da escada centenária e sumiu. Ninguém mais soube dele. Também ninguém procurou mais. Nem mãe ele tinha. Era uma tia que cuidava. Mas ela não ligou.
Eu estava lá e vi tudo. Aliás, eu vejo tudo o que acontece naquele pedaço da escola. Resolvi contar isso aqui, porque não agüento mais ouvir falar que as paredes não falam. Falamos sim e guardamos tudo nas nossas memórias .

Um comentário:

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

Escola é um universo do qual a gente não falou ainda nem um fragmento de unha....
Amei esse texto...lembrei de um mooooooonte de estórias...
Bjs!