domingo, 5 de outubro de 2008

Feia


A primeira vez que eu percebi que tinha alguma coisa errada comigo foi aos sete anos de idade. Até então eu vivia na inocência. Foi um momento lúdico-poético-sado-masoquista daqueles que só quem tem a graça de ter cinco irmãos conhece. Estávamos nos insultando mutuamente, eu menos mutuamente do que eles, porque eu era menor e eles eram grandes, muito grandes. Até o caçula era grande pra mim. Quando a mais velha, a autoridade em forma de gente, a irmã que tudo sabia, olha pra mim e decreta: “para de olhar pra mim com essa cara de coruja!”
Aquilo doeu. Doeu e marcou fundo. Fiquei pensando, primeiro que tipo de coruja seria, mas não teve jeito não. Coruja queria dizer feia, olhos arregalados, esquisita, bicho meio arredio...
Dali pra frente foi só desesperança.
Eu sabia que era feia e ficava lutando pra tentar me achar em alguma posição menos desfavorável diante das câmeras da vida.
Depois eu cresci e tudo isso ficou pra trás. Agora eu tinha então a certeza de que era muito feia mesmo e que nada nem ninguém poderia me salvar.
Quando a gente é feia, a gente ouve muito observações do tipo: “que nada! Você tem uma beleza exótica!”(feia) .
“Que feia nada! Você só precisava dar um jeito no cabelo. Por que você não corta, faz um alisamento, pinta, prende? Faz qualquer coisa! Assim ta muito ruim! Também devia usar umas roupas mais transadas. Se quiser vamos lá no shopping que eu te ajudo a comprar umas coisinhas.”
Você vai ao salão com a maior vontade de ajeitar a cara e o sujeito, viado, que detesta mulher, pega seu cabelo como se fosse barba de mendigo, com as pontas dos dedos e diz: “tem que fazer alguma coisa, uma hidratação! Isso aqui tá muito ruim. Quem foi que cortou seu cabelo?”
Foi ele mesmo, mas eu nunca ousaria irritá-lo mais, entende?
Um dia eu estava na rua, com meu filho pequeno, sim, eu tive um filho. Houve um corajoso homem desesperado que se casou comigo. Na verdade ele estava querendo se vingar de uma noiva que tinha dado o fora nele e ele tinha que se casar com alguém, de qualquer jeito e rápido. Mas eu estava lá com meu filho na rua e um sujeito, ajudante de motorista de caminhão fala pro coleguinha do lado:”a cara é feia, mas as perna tá boa"(sic); e isso era eu. Isso dói, gente. Dói muito.
Você sabe que é feia quando você olha a sua sombra e ela tá fora de prumo, sabe? O cabelo não combina com a roupa, com o formato do corpo.
Eu evito olhar espelho na frente dos outros. Sabe aquela olhada que as mulheres dão, sem cerimônia, no vidro dos carros, nas vitrines, nas portas de banco? Eu não ouso. Tenho medo de ouvir: “que que tá olhando aí, horrorosa?” então não olho. Espelho só em casa, no banheiro com a porta fechada.

6 comentários:

Everson Dias disse...

Aparentemente beleza e feiúra são conceitos com implicações mútuas, e, em geral, entende-se a feiúra como o oposto da beleza, tanto que bastaria definir a primeira para saber o que seria a outra. No entanto, as várias manifestações do feio através dos séculos são mais ricas e imprevisíveis do que se pensa habitualmente.
Tem dias em que eu me sinto muito bonito charmoso e etc…
Mas tem dias que eu me acho um lixo…
No fundo no fundo, isso é uma grande bobagem. O valor do ser humano não se mede pela sua beleza, e sim pelas suas qualidades.
Conheço muita gente bonita, que são feias de espirito e de atitudes.
Sem querer ser piegas, você é uma pessoa inteligente e divertida, que são qualidades maiores que a beleza estética.
E tem outra coisa. Depois do photoshop, até eu fico simpático.Bjs

Decorando disse...

Feia é o KCT, pra não dizer aquela palavra que os alunos adoram, CA...alguma coisa.
Passa batom e não enche o saco!!! : )

Adorei o blog. Acho que farei um.

Tb me achava um horror,mas sindrome de patinho feio, já larguei ha muito tempo, desde que vi O Concurda de Notre Dame... : )

Vc não precisa mudar cabelo,nem roupas,nem nada, só precisa é parar de se achar feia.

Beijos.

Unknown disse...

Olha como são as coisas...Tb fui chamada de coruja na minha adolescência,mas nunca vi como algo negativo,pq acho as corujas lindas,rsss!Tb já disseram que eu tenho uma beleza exótica e eu achei bárbaro!!!Mas sei como alguns comentários marcam a gente...Minha mãe dizia sempre que eu tinha pernas de gambito e cresci achando que tinha pernas finas até descobrir que elas não têm nada de finas,he,he,he...E vc madame,vendo suas fotos,fico pensando:"Onde está a feia?"Mas se isso te serve de consolo,numa idade em que as mulheres correm atrás de permanecerem jovens e belas,vc está dando de dez!!!Pele maravilhosa,sorriso,nariz,olhar...etc.,etc.,etc.,e não esqueça das pernas!!!Vc,caríssima se tornou a mais bela das irmãs...como são as coisas...Bjs.

MTB disse...

Estou adorando os comentários. Realmente "beleza exótica"é muito interessante também. Já ouvi muito essa.E amo as corujas. São lindas.

Luciano disse...

Minha cara Zélia Duncan
O texto é ótimo, mas não combina com você. De feia, vc não tem nada. Mas quem sabe se a coruja não seja sua própria irmã? Heim?

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

Não acredito que você escreva isso a sério...
Well, digamos que sim...
Neste caso, lembremos que coruja é metáfora para Athená.
E que a "cara-de-coruja-seca" da Emília é que é xingamento, pois quer dizer que a sua coruja (a sua Athená) está que é uma pobreza, o que - de fato - não seria lá muito bom...
BJS!