domingo, 12 de setembro de 2010

Ruas

No meio do caminho havia um mendigo esparramado, entregue aos efeitos da exaustão alcoólica. Ou seria outra coisa? Era um mendigo. Era um homem. No meio do caminho havia um homem caído, calças sujas, pés descalços, calos e feridas. Um homem caído de bêbado, ocupando toda a calçada. Ao lado uma quentinha cheia de arroz com feijão. Comida desprezada pelo homem que não merecia nem um olhar dos que por ali passavam.


O homem caído devia se chamar João, José, Bento ou Bernardo, mas ninguém chamou por ele. Ninguém chamou uma ambulância. Era um mendigo. No meio do caminho ficou esparramado o mendigo e as pessoas, alheias a ele, passavam irritadas porque ele ocupava a calçada com sua sujeira, seu sono, sua calça rasgada por onde o seu membro escapava. O membro do mendigo esparramado na rua e que não era ninguém. Um membro que não importava a ninguém, nem a Rosa, nem a Joana, nem a Maria. Inútil membro, inútil alimento, inútil a vida do mendigo, jogado no meio da calçada, ocupando um espaço de outros que não se ocuparam nem ao menos em levar em conta o homem por trás do farrapo esparramado.

Se fosse meu pai, se fosse seu pai, se fosse um filho? Mas não. O mendigo não é nada. O mendigo é apenas um corpo pelo qual passam as pessoas sem reparar. Só reparam o transtorno de sua calçada ocupada, o espaço que ele reivindica –como direito de cidadão que um dia foi –e o feijão espalhado da quentinha ao lado. O mendigo não é quase ninguém.

No meio da calçada havia um ninguém, que foi pai e filho, que amou Maria, Rosa e Joana, que nasceu e foi criança, menino, moço, hoje é velho, sem nada. E ninguém sequer parou para reparar que o mendigo não respirava mais. Ficou ali morto por toda a tarde. Ninguém viu quem o levou, nem para onde.

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